Por quê? (385) - Minha primeira viagem internacional


Cláudio Amaral

Mesmo sendo, na época, monoglóta (ou monolíngue, como preferirem), fiz minha primeira viagem internacional no início de Novembro de 1973. Deixei o Brasil no dia 5 e voltei no dia 12, sempre pelo Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas (SP). Estava com 23 anos de idade e cinco anos de Jornalismo. Fui pelo Estadão para a Itália. Eu e Deus, mas sempre com a ajuda dos Amigos. Minha missão era acompanhar um seminário em que se discutiria o aproveitamento de partículas alimentícias extraídas da parafina do petróleo. Mas, como o assunto era muito difícil para um jovem caipira de Adamantina (SP), procurei escrever a respeito de algo mais interessante e por conta disso fui de penetra até a sede da FAO, a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação.

É que entre uma conferência e outra pronunciada pelos especialistas convidados pela matriz da Liquigás, a Liquichimica, eu me dedicava a folhear os jornais italianos. Buscava algo que me permitisse entender o que se passava pela Europa e fazendo uso das poucas palavras no idioma de Michelangelo que havia decorado, ainda no Brasil, nos dois dias que antecederam aquela aventura. E encontrei num daqueles diários uma pequena nota a respeito de um encontro anual que a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação promoveria por 20 dias, a partir de 10 de Novembro, na capital italiana.

Fui de Metrô, do centro de Roma à sede da FAO, na Via delle  Terme di Caracalla. E aproveitei para conhecer uma das linhas de transporte urbano mais antiga do mundo, de acordo com o que me explicara, pacientemente, na Redação do Estadão, o Amigo Itaboray Martins, um dos mais experientes repórteres da época.

A propósito, lembro-me como se fosse hoje que Itaboray me fez a seguinte advertência: “Não vá fazer como muitos brasileiros, que voltam de Roma dizendo que não gostaram porque na capital italiana é tudo muito velho”.

Ao chegar à sede da FAO procurei logo o centro de imprensa e lá conheci um brasileiro que era funcionário de carreira no escritório da Organização, no Brasil: Cláudio R. P. Fornari. Ele facilitou tudo para mim, a começar do credenciamento para acompanhar de perto todos os trabalhos. Graças a ele eu tive acesso à delegação que representava o Brasil e fiquei sabendo da homenagem póstuma que naquela conferência seria prestada a Josué de Castro (nascido em Recife a 5 de Setembro de 1908 e falecido em Paris a 24 de Setembro de 1973). Ele foi um médico famoso, que teve seus direitos políticos cassados depois da instalação do Governo do Presidente Humberto de Alencar Castello Branco, em 1964. Deixou nosso País logo após a cassação e se exilou na Europa. Seu maior pecado era defender ideias revolucionárias com base em estudos que fizera ao longo de muitos anos e publicara em livros que se tornaram famosos, com destaque para Geografia da Fome (1946) e Geopolítica da Fome (1951).

A cada reportagem que escrevia no seminário das proteínas extraídas do petróleo e na conferência anual da FAO, eu caminhava quilômetros e mais quilômetros até a redação da Ansa (uma agência de notícias criada pelos principais jornais da Itália). Preferia ir caminhando porque assim poderia conhecer melhor uma das mais antigas capitais do mundo. Ao chegar à Ansa, pedia que meus textos fossem transmitidos com exclusividade para o Estadão, em São Paulo.

Lembro-me bem que no rodapé do último texto mandei um recado para meu chefe de reportagem, Eduardo Martins, e para o editor de meus textos, Carlos Conde: façam a gentileza de mandar avisar minha Sueli, na Rua Nicolau de Souza Queirós, na Aclimação, que em dois dias estarei em casa. E só quando cheguei, no dia 15 de Novembro de 1973, fiquei sabendo do sufoco e apertos passados por minha mulher. Ela havia ficado sozinha em São Paulo com a nossa pequena Cláudia Márcia, nascida em Marília em Fevereiro daquele ano. Tudo bem que minha irmã caçula Clélia morava na mesma rua e dera apoio às minhas meninas, mas isso não impediu que Sueli ficasse intranquila e impaciente a semana que passei na Itália. Ela chegou a temer que eu me encantasse com as belezas de Roma – e das italianas – e não mais quisesse voltar para o Brasil. Felizmente isso não aconteceu e voltei. E ao voltar vi no Estadão os textos que havia enviado desde a capital italiana: FAO exorta o mundo a guardar alimentos (O Estado de S. Paulo de 10 de Novembro de 1973 – página 18) e Brasil apoia livre comércio na FAO (O Estado de S. Paulo de 11 de Novembro de 1973 – página 41, com chamada de primeira página).

Li palavra por palavra, linha por linha, parágrafo por parágrafo. Li com indisfarçável alegria. Li e comemorei o resultado de minha primeira viagem internacional.

Por quê?

Ah... e você ainda pergunta por que, caro e-leitor?



(*) Cláudio Amaral (clamaral@uol.com.bré autor dos livros Um lenço, um folheto e a roupa do corpo (2016) Por quê? Crônicas de um questionador (2017). É Jornalista desde 01/05/1968, Mestre em Jornalismo para Editores pelo IICS/SP (2003) e Biógrafo pela FMU/Faculdade de História/SP (2013/2015).

18/08/2019 09:50:08 (pelo horário de Brasília)

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