Por quê? (223) Vivo só? Não, vivo com Deus!

Cláudio Amaral

Sinto-me como nos tempos em que deixei Adamantina e fui viver em Marília, a partir de 6 de janeiro de 1969.

A bem da verdade, hoje (12/12/2004) tenho muito mais conforto. Moro num apartamento e não mais num quarto de pensão. Tenho uma mulher, uma filha e dois filhos que me amam, e a quem posso ligar por telefone sempre que quiser. Naquela época, eu não tinha nem como falar à distancia com meus pais, minhas irmãs e meu irmão, porque não havia telefone em casa.

Hoje, além dos telefones fixos, existem os celulares, o correio eletrônico e a conversa em tempo real. Posso até vê-los pela web-can.

Tem mais: hoje tenho mais anos de vida e muito mais fé em Deus, que, tenho certeza, me acompanha em todos os lugares e por todos os momentos.

Mesmo assim, a situação de hoje me lembra a de 35 anos atrás, quando deixei Adamantina para trabalhar em Marília, no Jornal do Comércio, a convite do Mestre Irigino Camargo.

A situação de hoje lembra também a de Campinas, para onde me mudei num dia qualquer de outubro ou novembro de 1969, a convite do jornal O Estado de S. Paulo. Eu havia começado a trabalhar para o Estadão em julho de 1969, sem deixar o JC de Marília, tinha sido promovido de correspondente local a regional em seis meses e transferido para Campinas depois de uma grande cobertura, a dos Jogos Abertos de Interior, em outubro de 1970, em Bauru.

Voltei a morar sozinho, na casa sinistra de uma velha estranha, que tinha um filho enigmático, na Rua da Conceição, no centro de Campinas. Nunca me senti tão só, porque, além de morar sozinho, não tinha amigos. A solidão da época e o alto custo das ligações telefônicas me levavam a escrever uma carta por dia para minha então namorada, hoje minha esposa há mais de 33 anos.

Aí está um outro ponto que me faz lembrar os tempos de Campinas, porque voltei a escrever cartas, apesar das facilidades dos telefones e Internet.

Estou em Campo Grande (MS) desde 26 de julho de 2004. Há 139 dias, portanto. Vim parar aqui porque não aguentava mais ficar sem um emprego formal ou sem trabalho regular. Havia sido despedido da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, onde fui Gerente de Redação de 10 de março de 1998 a 24 de abril de 2003: cinco anos e 45 dias.

Passei esses 15 meses pedindo a Deus que me desse um novo emprego ou trabalho. Tentei tudo o que eu podia e sabia, ou seja, criar um novo negócio, escrever livros, dar treinamento em jornais do Interior ou em outros Estados e viabilizar a publicação de livros, por exemplo.

Ainda bem que eu e minha mulher aproveitamos ao máximo os dias sem trabalho nem compromissos, para namorar, passear, divertir, curtir... até o dia em que desci aqui em Campo Grande, a bordo de um avião da falecida Vasp. Vim, aceitei o emprego que me ofereceram, voltei para casa três dias depois, fiquei por lá mais três dias (30 e 31 de julho e 1º de agosto), peguei outro avião da Vasp e aqui estou como Diretor de Redação do jornal O Estado MS.

Se eu soubesse que seria tão difícil ficar aqui tão longe da família, da casa em que moro há mais de 20 anos, da rua, do bairro e da cidade em que resido (sim, eu ainda moro lá) há 35 anos, eu não teria vindo. Sinto muita falta deles todos e eles dizem o mesmo de mim. Sinto muita falta dos Amigos, dos parentes (sim, dos parentes), das igrejas que eu sempre frequentei, dos sebos, dos meus livros, do meu carro, de cada cantinho da minha casa... e muita saudade da pequena Sofia, mais recente alegria que Deus nos deu. Sinto falta dos gritinhos dela, das brincadeiras, das bagunças, de quando ela me vê e diz: “Ah, titio Cáudio”. Na noite passada, sonhei que a minha mulher havia vindo de São Paulo e trazido a princesa Sofia. Nos momentos de muita saudade, eu ou leio a Bíblia que minha sogra me mandou ou choro. Choro aos soluços, até a saudade passar. E sempre que penso na Sofia, agradeço a Deus e aos meus Amigos Marcello Vitorino e Nilva Bianco, jornalistas como eu, por terem colocado no mundo essa menina encantadora. Agradeço também à minha mulher por ter acolhido a Sofia como se ela fosse nossa, assim como aos meus três queridos filhos, que tão bem receberam essa alegria que ela é para todos nós. Às vezes, como ontem, penso que falo demais dela para meus interlocutores daqui e que talvez possa aborrecê-los com tantas lembranças dela, mas não tem jeito, porque ela, como minha mulher e meus filhos, não sai dos meus pensamentos.

Deixo de pensar neles e nos bens materiais que tenho em São Paulo só quando estou de cabeça no trabalho. Um trabalho que me absorve, me ocupa, me exige e por vezes me esgota.

Por vezes, pensei em largar tudo e voltar para casa. Muitas vezes. Mas, eu sempre decido ficar, porque creio que estou fazendo diferença no jornal, estou ensinando, criando e aprendendo muito. Acredito também que ainda é cedo para ir embora, ainda que às vezes me aborreçam alguns episódios e situações vividas no jornal.

Nessas ocasiões, eu faço minhas orações, como, de resto, todas as manhãs, ao descer as escadas de 2º andar ao térreo do Brunette City Stúdio, o apart-hotel onde estou. Repito o Pai Nosso e a Ave Maria e depois digo, sempre: “Obrigado, Senhor, por me ter permitido chegar até aqui. Obrigado, Senhor, por me permitir estar aqui”. Digo o mesmo sempre que subo os dois lances de escadas até a Redação do jornal.

Sei que estou aqui por vontade de Deus e tenho certeza de que Ele saberá a hora certa de mandar daqui para uma outra cidade, ainda que não seja São Paulo. Torço para Ele me mande para uma localidade mais próxima de São Paulo, para que eu possa ir para casa pelo menos a cada duas semanas.

Gostaria, por Deus, de ter meu trabalho e meus esforços sinceramente reconhecidos no jornal e em Campo Grande. Tenho fé que isso vai acontecer um dia, mas quero que esse dia não demore muito.

Semana passada tive uma grande alegria, quando um colega da Redação, o experiente Editor-Executivo Nelson Urt, disse e repetiu, em reunião de editores, que eu falo falta quando viajo. Agradeci publicamente a ele por essa observação e a Deus, também.

Ainda que eu não seja mais o perfeccionista que fui até alguns poucos anos, quando comecei a fazer terapia, sei que costumo a levar meu trabalho a sério e que faço, sempre, o melhor que eu posso. Se mais não faço é por falta de tempo, de condições humanas e materiais, assim como porque também tenho minhas limitações. Às vezes, sinto medo e insegurança diante de tantas responsabilidades que tenho. Penso no quanto seria bom ter mais profissionais na Redação, mais carros, mais equipamentos fotográficos, mais verbas, mais liberdade e mais autonomia. Mas, me conforto e me conformo com a fé e a esperança que tenho no futuro. Num futuro bem próximo.

Gostaria de ter mais tempo para mim. Especialmente para voltar a ler meus livros, retomar os exercícios físicos, para conhecer mais e melhor esta cidade e o povo que aqui vive. Gostaria de viajar e conhecer as principais cidades de Mato Grosso do Sul.

Gostaria de fazer Amigos aqui, porque eles me fazem falta. Mas, para isso seria preciso ter tempo, bem mais do que eu tenho hoje. Tenho dormido pouco. Algo em torno de seis horas por noite. Mas, se não for assim, não tenho tempo para mais nada; só para o trabalho.

Trabalhar no domingo, todos os domingos, também me aborrece, mais isso ainda é necessário.

Há um mês, mais ou menos, resolvi que vou correr o risco de montar apartamento em Campo Grande. Mesmo sabendo que há qualquer hora poderei me aborrecer e pedir demissão do jornal ou ser demitido. Mas, vou correr esse risco porque preciso gastar menos com aluguel e condomínio, assim como morar mais perto do jornal. E Deus me ajudou mais uma vez, me permitindo encontrar um apartamento a 500 metros do jornal, mais barato do que este onde estou desde 6 de agosto de 2004. Vou morar melhor, mais perto, dar condições a ela ter um escritório dentro de casa, como em São Paulo, e assim ficar mais tempo comigo. Egoísmo puro? Sim, admito, mas só assim será possível estarmos mais tempo juntos, sofreremos menos, poderemos receber os filhos, parentes e Amigos de São Paulo e de outras localidades.

Por quê?

Ah... e você ainda pergunta por que, caro e-leitor?

(*) Cláudio Amaral clamaral@uol.com.br é jornalista desde 1º de maio de 1968.

De 00h35 a 2h10 de 12/12/2004

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