Por quê? (342) – O fuzilamento de Marc Bloch
Marc Bloch, o historiador
Cláudio
Amaral
Hoje, 16 de junho, é dia de
lembrarmos a morte, por fuzilamento, de um dos mais ilustres historiadores:
Marc Bloch.
Nascido a seis de julho de
1886 em Lyon, na França, Marc Léopold Benjamin Bloch (http://pt.wikipedia.org/wiki/Marc_Bloch)
foi um dos mais notórios historiadores do século passado e do mundo em todos os
tempos, um dos fundadores da renomada Escola dos Annales (http://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_dos_Annales)
e nem por isso deixou de ter um fim triste, muito triste: foi fuzilado a 16 de
junho de 1944, na localidade francesa de Saint-Didier-de-Formans (http://pt.wikipedia.org/wiki/Saint-Didier-de-Formans),
depois de ter sido aprisionado por nazistas que lutavam na Segunda Guerra
Mundial (1939-1945 – http://pt.wikipedia.org/wiki/Segunda_Guerra_Mundial),
o mesmo conflito em que lutou meu saudoso sogro, José Padilla Bravos (http://josearnaldodeantenaebinoculo.blogspot.com.br).
Apesar da trajetória gloriosa
que teve Marc Bloch e da minha militância na imprensa por mais de 40 anos, só
vim a tomar conhecimento da existência dele em 2013. Foi quando ingressei na
FMU/SP para cursar Licenciatura em História e me preparar para a carreira de
historiador.
E quem me apresentou a Marc
Bloch foram meus Mestres Flávio Luís Rodrigues e André Oliva Teixeira Mendes.
Titular da disciplina de
Historiografia, no segundo semestre do curso, o Professor André encomendou a
mim e a todos os meus colegas um trabalho individual a respeito do livro Apologia da História ou o Ofício de
Historiador. E é esse texto que disponibilizo agora a todos os meus e-leitores:
Quem foi Marc Bloch, autor de Apologia da História?
Marc Bloch é
mais do que um historiador. É “um historiador francês notório”, “um dos fundadores
da Escola dos Annales” (1929), “o maior medievalista de todos os tempos” e “o
maior historiador do século XX”, segundo seus parceiros, admiradores e seguidores
de diferentes partes do mundo. E Apologia
da História ou o Ofício de Historiador, livro publicado pela primeira vez cinco anos após a morte
do autor e editado no Brasil a partir de 2001, tem uma característica especial,
que o faz destacar das demais obras dele: foi escrito (ou melhor, manuscrito)
nas piores condições em que um escritor pode se encontrar; foi escrito na
prisão e, por isso, sem que ele tivesse acesso a qualquer fontes de consulta, a
não ser a própria memória.
Felizmente, os manuscritos de Marc Bloch foram localizados,
recuperados graças aos esforços e a boa vontade do filho Étienne Bloch (1921-2009)
e em seguida editados. Só assim foi possível o acesso a esta obra póstuma deste
homem que nasceu em Lyon no dia 6 de julho de 1886, foi registrado como Marc Léopold Benjamin Bloch e morto a 16 de junho de
1944, em Saint-Didier-de-Formans.
A morte de
Marc Bloch se deu por fuzilamento, por nazistas envolvidos na Segunda Guerra
Mundial (conflito militar global e o mais letal da história da humanidade).
Eles (os nazistas) não concordavam com as ideias do filho de Gustave Bloch,
professor de História Antiga, que deve ter influenciado na carreira do filho e o
levou à Escola Normal Superior de Paris, depois em Berlim e em Leipzig. Em
seguida, Marc Bloch foi bolsista da Fundação Thiers, em Paris, entre 1909 e
1912; participou tanto da Primeira (1914 a 1918) quanto da Segunda Guerra
Mundial (1939 a 1945); e, ainda em vida, publicou, entre outros, Os reis taumaturgos (1924) e A sociedade feudal (1939). Após sua
morte foram publicado pelo menos três livros: A estranha derrota (1946), Introdução
à história (1949) e Apologia da
História (1949).
Depois de
1949, o livro Apologia da História foi reeditado outras vezes. Em 1993, 1997, 2001 e 2012,
quando, além do prefácio do também consagrado historiador Jacques Le Goff, a
edição brasileira da obra de Marc Bloch foi enriquecida com a apresentação de
Lilia Moritz Schwarcz (doutora em Antropologia Social pela USP).
Traduzida da
edição francesa por André Telles (tradutor pela Universidade de Nancy, França) e
publicada por Jorge Zahar Editor, a edição que temos em mãos nos apresenta uma
vantagem a mais: a grafia atualizada respeitando o novo Acordo Ortográfico da
Língua Portuguesa em vigor – oficialmente – desde 1º. de janeiro de 2009. Tem
cinco capítulos: I – A história, os homens e o tempo; II – A observação
histórica; III – A crítica; IV – A análise histórica e V – (Sem título).
No primeiro
capítulo (p. 51) encontramos cinco subdivisões: 1. A escolha do historiador (p.
51), 2. A história e os homens (p. 52), 3. O tempo histórico (p. 55), 4. O
ídolo das origens (p. 56) e 5. Passado e “presente” (p. 60). Aqui (Capítulo I) o
autor situa a história no tempo: “A
palavra história é uma palavra antiquíssima: [tão antiga que às vezes nos
cansamos dela. Raramente, é verdade, chegou-se a querer riscá-la completamente
do vocabulário.]” (p. 51). Aproveita para lançar uma censura severa à busca
desesperada pela origem dos fatos:
Não deixa de ser menos verdade que, face à imensa
e confusa realidade, o historiador é necessariamente levado a nela recortar o
ponto de aplicação particular de suas ferramentas; em consequência, a nela
fazer uma escolha que, muito claramente, não é a mesma que o biólogo, por
exemplo; que será propriamente uma escolha de historiador. Este é um autêntico
problema de ação. Ele nos acompanhará ao longo de todo o nosso estudo. (p. 52).
No segundo
capítulo (p. 69) o autor nos apresenta três observações históricas: 1. [Características
gerais da observação histórica] (p. 69), 2. Os testemunhos (p. 76) e 3. A
transmissão dos testemunhos (82). Além de um estudo da observação histórica por
intermédio dos testemunhos, Bloch faz referências à sua transmissão:
Reunir os documentos que estima necessários
é uma das tarefas mais difíceis do historiador. De fato ele não conseguiria
realizá-la sem a ajuda de guias diversos: inventários de arquivos ou de
bibliotecas, catálogos de museus, repertórios bibliográficos de toda sorte. (p. 82).
No terceiro
capítulo (p. 89) lemos: 1. Esboço de uma história do método crítico (p. 89), 2.
Em busca da mentira e do erro (p. 96) e 3. Tentativa de uma lógica do método
crítico (p. 109). Numa dessas subdivisões o autor faz um alerta contra erros e
mentiras que podem se tornar verdades: “A
maioria dos escritos assinados com um nome suposto mente com certeza também
pelo conteúdo” (p. 96). Em seguida, dá um exemplo: “Um pretenso diploma de Carlos Magno revela-se, ao exame, como forjado
dois ou três séculos mais tarde?” (p. 96 e 97). E detalha: “Pode-se apostar mesmo que as generosidades
com as quais qualifica a honra ao imperador foram igualmente inventadas”
(p. 97). Mas isso poderia ser previsto? Não, porque “certos atos foram fabricados com o único fim de repetir as disposições
de peças perfeitamente autênticas, que haviam sido perdidas” (p. 97).
No quarto
capítulo (p. 125) Bloch aperta o cerco sobre “A análise histórica” em quatro
subdivisões: 1. Julgar ou comprender? (p. 125) 2. Da diversidade dos fatos
humanos à unidade de consciência (p. 128), 3. A nomenclatura (p. 135) e 4. (Sem
título) (p. 147). E, fazendo um paralelo entre o juiz e o historiador, o autor
discute o que a história deve fazer: julgar ou compreender?
No quinto e
último capítulo, também sem título (p. 155), apenas esboçado, Marc Bloch
investiga as causas dos fatos históricos, com um ataque contundente ao
positivismo:
Em vão o positivismo pretendeu eliminar da
ciência a ideia de causa. Querendo ou não, todo físico, todo biólogo pensa
através de “por quê?” e de “porque”. Os historiadores não podem escapar a essa
lei comum do espírito. Alguns, como Michelet (Jules
Michelet, filósofo e historiador francês nascido em 1798 e falecido em 1874), encadeiam tudo num grande “movimento
vital”, em lugar de explicar de forma lógica; outros exibem seu aparelho de
induções e de hispóteses; em todos o vínculo genético está presente. (p.
155).
Apologia da História é nada mais nada menos que o produto de um momento
histórico. Como diz Jacques Le Goff (também historiador, francês, medievalista
e autor de biografias como a de São Luís), Apologia
da História é mais do que um testamento. É um “livro acabado” e “é um ato completo
de história”.
Apologia da História (publicado em
2001) poderia ter sido muito mais do que isso tudo. Para isso, entretanto,
Marc Bloch precisaria viver mais – e viver até quando suas forças físicas e
mentais permitissem – e não fuzilado, como foi por aqueles que tiveram a
crueldade de tirar-lhe a vida, a vontade de viver e de lutar. E mais do que
isso: teve a coragem de defender suas ideias e ideais. Bloch precisaria mais:
estar livre para pensar e expor suas ideias. Necessitaria também ter condições
de pesquisar livremente, para escrever com segurança, para ensinar sem
paredes e barreiras. Mas não foi isso que o nazismo reservou a ele – e a nós,
que nos vimos privados da capacidade que ele tinha de usar sua inteligência e conhecimentos
a respeito do mundo e da política que se vivia na primeira metade do século XX.
Por quê?
Ah... e você ainda pergunta por que, caro e-leitor?
Ah... e você ainda pergunta por que, caro e-leitor?
(*) Cláudio Amaral clamaral@uol.com.br é jornalista desde 1º de maio de 1968, Mestre em Jornalismo para Editores pelo IICS/SP (Turma de 2003) e estudante de História na FMU/Liberdade/SP desde 1º. de fevereiro de 2013.
15/06/2014 21:47:28
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