Por quê? (295) Camilo Mortágua, por Josué Guimarães


A obra e o autor, Camilo Mortágua e Josué Guimarães

Cláudio Amaral

Apaixonante é. Isso, como leitor, posso garantir que é. Realista? Garantir eu não posso, mas tudo leva a crer que sim, que é um romance realista. Ainda que seja um romance. Mas, prepare-se, caro e-leitor, porque Camilo Mortágua, escrito por Josué Guimarães nos anos 1970, pode te deixar como deixou a mim: frustrado.

Fiquei e estou frustrado porque queria mais. Algo mais que talvez apenas a apaixonante história da Família Mortágua não conseguiu me dar. Ou que o jornalista, escritor e político Josué Guimarães não pode ou não quis dar a nós todos, os seus leitores.

Encontrei o livro Camilo Mortágua no Sebo da Praia, no bairro do Paraíso, em São Paulo. É um lugar onde sempre vou porque fica perto de casa, na Aclimação. Uma loja pela qual sempre passo quando vou ao consultório do Dentista Eduardo Cayres, ao Shopping Paulista, ao Hospital Alemão Osvaldo Cruz e ao prédio do IICS, o Instituto Internacional de Ciências Sociais, que frequentei por todo o ano de 2003, no Master em Jornalismo para Editores, e onde volto todo ano.

Passei pelo Sebo da Praia na tarde de 4 de maio de 2012, ou seja, tres dias antes de embarcar para Ashburn Village, Virgínia, EUA, localidade em que estamos, Sueli e eu, desde o dia 8 daquele mês.

Uma banca que eu já conhecia estava novamente colocada na calçada, em frente ao Sebo da Praia, e atraiu minha atenção. Parei e comecei a buscar novidades, ainda que ali estivessem apenas livros antigos, editados há muitos anos. E apenas uma publicação me interessou: Camilo Mostágua, de Josué Guimarães, nascido em São Jeronimo (RS) a 7 de janeiro de 1921 e falecido em Porto Alegre a 23 de março de 1986.

Comprei, paguei (R$ 7,00) e, como sempre tenho muitos livros para ler, trouxe na bagagem para os Estados Unidos. E aqui comecei a ler a 19 de maio e terminei a 14 de julho de 2012.

Demorei tanto tempo – se é que quase dois meses é muito tempo para ler uma obra como Camilo Mortágua – porque foram nada menos que 499 páginas e também porque neste tempo dei prioridade máxima aos meus estudos de Inglês e Espanhol (que continuam, porque, além de estudar horas e mais horas em casa, passei a frequentar as duas aulas semanais na Ashburn Library).

Para a minha Amiga Whalmir Anna, Jornalista em Porto Alegre, Josué Guimarães “foi o escritor gaúcho mais importante depois de Érico Veríssimo”. Ela lembra que teve “o privilégio de tê-lo como paraninfo em minha formatura” e que “foi cursando a Faculdade que meus olhos encontraram as palavras dele”. Whalmir relembra que “suas obras recém tinham sido lançadas, década de 70, e ele era o autor da moda, especialmente A Ferro e Fogo I (Tempo de Solidão) e A Ferro e Fogo II (Tempo de Guerra)”.

Segundo Whalmir, “os livros tratam da colonização alemã. Uma família de imigrantes vivendo seus sonhos, desencantos e misérias. Em linguagem clara, mostra ‘os de fora’ tentando indentificar-se com o Rio Grande de Sul e suas questões políticas diante do seus particulares como trabalho, saudade, conquistas, privações, desespero e poucas alegrias. São romances de muita emoção e realismo diante da solidão na terra estranha, desconhecida”.

Agora, quase 20 horas (de Brasília) de 23 de julho de 2012, ponho-me a pensar: como é bom ter uma Amiga como Whalmir Anna, que gosta de ler, aprecia livros bons e conhece bem a Josué Guimarães, que, ainda de acordo com ela, “usou de vários pseudônimos, entre eles, o de D. Xicote, com o qual ironizava a política da época. Depois, por um tempo, ele mesmo financiou um jornal com esse nome. Na década de 1970 trabalhou na Caldas Júnior, onde, entre várias funções, foi correspondente internacional. Engajado na política, era sensível aos mais necessitados. Gostava de crianças e demonstrava inconformidade com a violência, com a injustiça. Democrata e, mesmo sendo perseguido pela ditadura, conseguia demonstrar ternura quando falava”.

Em Camilo Mostágua, segundo críticas que li antes e após a leitura desta obra, Josué Guimarães nos dá um painel inédito de sua ficção, contando de maneira apaixonante a decadência de uma família de pecuaristas da fronteira gaúcha, com todas as suas misérias e grandezas. A história de Camilo Mortágua – uma velha e apascentada idéia do autor – reproduz, de certa forma, o drama de dezenas de famílias gaúchas que, baseando seus rendimentos na exploração de rebanhos na fronteira, levaram suas vidas luxuosas na capital do Estado, num fausto que fez época e que, com o passar do tempo, terminou por arruiná-las.

Camilo Mortágua representa a culminância de uma trajetória e, ao mesmo tempo, o retrospecto dos resultados alcançados. A incorporação do trajeto histórico do Estado coincide com a evolução da intriga, sobretudo com a biografia do herói que dá nome à obra. Nascido ao final do século 19, o protagonista vem a falecer na primeira semana de abril de 1964. Com isto, o autor introduz no fluxo narrativa 70 anos da história sul-rio-grandense. E também que a família Mortágua, indiferente, passe ao largo dos fenômenos externos, emergem ao fundo as notícias relativas às guerras européias, revoluções brasileiras, o suicídio de Getúlio Vargas, enfim, os fatos mais marcantes do século 20, misturados a trivialidades domésticas, mudanças nas modas, novos costumes, por exemplo.

Assim sendo, se a história não é o eixo que suporta o transcurso dos acontecimentos, ali está, e sua fusão a fatos miúdos do cotidiano, porém igualmente relevantes segundo o modo de vida dos Mortágua, reforça a evidência de que o alheamento crescente desses significa seu paulatino deslocamento dos poderes econômico e social.

O romance se enxerta à temática da decadência. Camilo Mortágua, o protagonista, revê a história de sua vida ao ir ao cinema. Na tela, em vez de Cleópatra, a Rainha de César, o filme mostra a trajetória da decadência da família de Camilo. Eis o recurso narrativo utilizado pelo escritor.

A história se passa em Porto Alegre, recuperando o bairro da Azenha, a Avenida Independência, o Parque Farroupilha, a Avenida Osvaldo Aranha, a Avenida João Pessoa, a Faculdade de Direito, a Santa Casa de Misericórdia e a Igreja da Conceição, entre outros locais.

Apesar da riqueza de detalhes e da facilidade com que Josué Guimarães escrevia seus romances, eu, particularmente, fiquei com a certeza de que esperava mais a respeito dos destinos de personagens como Mocinha (a namorada da adolescência que o procurou desesperadamente depois da morte do pai dela), Leonor (a esposa que o traiu sem motivos aparentes) e o próprio Camilo Mortágua (morto depois de velho e dentro do cinema). E o casarão da Avenida Independência, virou um espigão ou não?

Queria mais. Eu queria muito mais. E por isso me sinto frustrado.

Por quê?

Ah... e você ainda pergunta por que, caro e-leitor?

(*) Cláudio Amaral clamaral@uol.com.br é jornalista desde 1º de maio de 1968.

23/07/2012 20:10:10 (horário de Brasília)
23/07/2012 19:10:10 (de Ashburn Village, Virgínia, EUA)

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