Por quê? (97) A volta da figura


Cláudio Amaral

Domingo é dia de descanso, não é mesmo?

Para as pessoas normais, pelo menos.

Pois bem: para essas pessoas, domingo é dia de levantar mais tarde, tomar o café da manhã e ler o jornal de pijama, de tomar banho demorado, de sair para caminhar (só ou muito bem acompanhado), de levar as crianças ao parque, de almoçar fora com a família, de ir ao estádio de futebol ou ao ginásio do Ibirapuera (onde hoje, por exemplo, jogam as seleções masculinas de vôlei que querem uma vaga nos Jogos Olímpicos de Pequim), de tomar sorvete, de ver Faustão ou Gugu (ou os dois) e a seleção brasileira de futebol contra o Paraguai na TV... enfim, domingo é um dia especial.

Foi por conta disso tudo que aquela figura no mínimo inusitada, à qual já me referi em três crônicas, saiu de casa pouco antes das 9 horas da manhã deste domingo, 15 de junho de 2008, para assistir à celebração da Missa na Paróquia de Santa Rita de Cássia, na Rua Dona Ignácia Uchoa, na Vila Mariana.

Com a fé renovada, em seguida, ela, a figura no mínimo inusitada, saiu a caminhar sem rumo.

Afinal, é domingo.

Da Rua Dona Ignácia Uchoa, a figura andou até a Rua Vergueiro e, virando à esquerda, passou pela estação Vila Mariana do Metrô.

Sem a menor vontade de entrar no Metrô, ela, a figura, atingiu a Rua Domingos de Moraes, cruzou a Sena Madureira e entrou à direita na Rua Dr. Diogo de Faria.

Na esquina com a Rua Marselhesa, ou seja, 450 metros depois, entrou na famosa Confeitaria Duomo e foi conferir o café e o pão de queijo.

- Uma delicia, disse a figura à senhora que operava o caixa.

Na calçada, e antes de se decidir se continuaria descendo a Diogo ou entraria na Marselhesa, rumo à Rua Borges Lagoa ou à Sena Madureira, a figura teve a atenção chamada para um homem que se agitava no segundo andar do Edifício Maison Chambertin, do outro lado da esquina, em diagonal.

O vento era forte e o senhor em questão tentava prender duas faixas que anunciavam que ali tinha apartamento para vender e que havia “Corretores de plantão”.

- É um dos tais “Corretores de plantão”, pensou a figura.

Era. Mas era o único, porque “Corretores de plantão” não passava de força de expressão.

Sem mais o que fazer, a figura no mínimo inusitada parou ali mesmo e ficou a observar o espetáculo protagonizado por aquele senhor.

Ele entrava e saia do apartamento do segundo andar. Ora tinha as mãos ocupadas por uma tesoura pequena, ora tentava amarrar uma das pontas das faixas com cordas ou adesivo largo.

A operação era trabalhosa, difícil, exatamente porque o vento insistia em atrapalhar a vida do corretor.

- Ninguém aparece para ajudar?, indagou-se a figura, sem ter com quem falar.

Vinte e sete minutos depois que ali estava, parada, na esquina das ruas Dr. Diogo de Faria e Marselhesa, ela, a figura, viu que as faixas estavam firmes, ou pelo menos as mais firmes que o homem podia deixar.

Viu também que o homem entrou e não mais surgiu na sacada do apartamento à venda.

Estava, portanto, encerrado o espetáculo e era chegada a hora de seguir em frente.

E foi o que a figura no mínimo inusitada fez, atravessando a Marselhesa e seguindo pela Diogo, rumo ao Parque do Ibirapuera.

No caminho, depois de passar em frente ao Instituto do Cego administrado por Dorina Nowill, a deficiente visual mais famosa e admirada do Brasil, a figura ficou a imaginar a vida que levava aquele “corretor de plantão”.

- Teria ele família: mulher, filhos, netos?

- Seria ele um solitário, que, não tendo com quem conviver, decidira se dedicar à corretagem de imóveis?

- Ou seria ele, o corretor, um aposentado, que, sem ter um rendimento suficiente para se manter, tivera que se sujeitar a ficar de plantão num imóvel como aquele, e, pior, ter que enfrentar a fúria do vento para fixar as faixas que chamariam clientes para o plantão?

Pelo sim, pelo não, a figura seguiu em frente, rumo ao Ibirapuera.

Foi em dúvida, cheia de perguntas e nenhuma resposta.

Por quê?

Ah... e você ainda pergunta por que, nobre e inteligente e-leitor?

15/6/2008 12:13:51

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