Por quê? (59) No Mosteiro
Cláudio Amaral
Animada com o fato de ter sido notícia num dos sites mais visitados da Internet, o VivaSP, aquela figura no mínimo inusitada à qual me referi por mais de uma vez em minhas crônicas resolveu ir a público.
Foi na manhã de quinta-feira, 6 de março de 2008.
Vestiu roupa nova, beijou a imagem de Nossa Senhora da Medalha Miraculosa, rezou a oração da Ave Maria por três vezes e saiu de casa.
Já na porta, voltou e leu o Evangelho do dia: Testemunhos a favor de Jesus (Jo, capítulo 5, versículos de 31 a 47).
De consciência tranqüila, foi até a estação Ana Rosa, “a mais simpática do Metrô paulistano”, e embarcou rumo ao centro velho de São Paulo.
“Bom dia” daqui, “bom dia” da li, a figura foi abrindo caminho em meio à multidão que se dirigia ao trabalho. E que multidão.
Ao invés de descer na Sé e de lá tomar o rumo da Catedral, a figura seguiu em frente.
Só foi descer na próxima estação, a do Largo São Bento, exatamente o local em que ficou hospedado o Papa Bento XVI, ano passado.
E por que no Largo São Bento?
Porque ali seria, como foi, palco de uma celebração em homenagem à alma e à memória de um dos políticos que a figura mais admira, mesmo depois de passados sete anos de sua morte: Mário Covas Júnior, nosso ex-prefeito e ex-governador.
Chegou cedo para ter lugar dentro do Mosteiro.
Sim, porque sabia que o local estaria repleto de gente.
Gente graúda, claro, porque trabalhador, gente humilde, do povo, tem que trabalhar. Trabalhar duro, e desde bem cedo.
Entrou, fez o sinal da cruz, olhou firme para a imagem de Cristo e se ajoelhou junto ao último banco.
Ali, humildemente, a figura no mínimo inusitada reverenciou a memória do melhor governador que o Estado de São Paulo teve, pediu alívio para a alma dele, rogou ao Pai por um lugar digno para o homem que morreu no exercício do poder em nome do povo paulista e se levantou.
De frente para a porta principal, sem receio de ter dado as costas para o altar, a figura ficou a observar a chegada dos figurões: o ex-governador Geraldo Alckmin, agora com inglês na ponta da língua, depois de seis meses de estudos nos Estados Unidos; o prefeito Gilberto Kassab, confiante na reeleição, embora ele nunca tenha sido verdadeiramente eleito para o cargo que ocupa; deputados estaduais e federais, senadores e outros políticos menos cotados.
Ah... claro: o governador José Serra, também, ainda que ele tenha sido um dos maiores adversários de Mário Covas, que o odiava e, embora do mesmo partido (o PMDB e depois o PSDB), nunca o perdoou pelas “traições políticas”.
A figura sorriu para cada um deles. Disse “bom dia” aos montes e só não pegou nas mãos de cada um porque não teve oportunidade.
Depois da celebração, uma das mais lindas que já assistiu, esperou que cada um tomasse o seu rumo e só foi embora quando o Mosteiro já estava vazio. Completamente vazio.
E foi feliz, com a alma e a consciência em paz, apesar das cenas teatrais e das falsidades demonstradas pelos políticos presentes e que ali foram mais por obrigação do que por respeito ao homenageado.
“A vida é assim”, pensou.
“A vida é assim”, repetiu.
“Político é assim em qualquer lugar do mundo”, disse entre dentes, rumo ao Metrô.
Por quê?
Ah... e você ainda me pergunta por que?
(*) Cláudio Amaral clamaral@uol.com.br é jornalista desde 1º de maio de 1968; professor e orientador de jovens jornalistas; palestrante e consultor de empresas para assuntos de comunicação institucional e criador do http://blogdoclaudioamaral.blogspot.com e do http://aosestudantesdejornalismo.blogspot.com.
9/3/2008 07:34:06
Animada com o fato de ter sido notícia num dos sites mais visitados da Internet, o VivaSP, aquela figura no mínimo inusitada à qual me referi por mais de uma vez em minhas crônicas resolveu ir a público.
Foi na manhã de quinta-feira, 6 de março de 2008.
Vestiu roupa nova, beijou a imagem de Nossa Senhora da Medalha Miraculosa, rezou a oração da Ave Maria por três vezes e saiu de casa.
Já na porta, voltou e leu o Evangelho do dia: Testemunhos a favor de Jesus (Jo, capítulo 5, versículos de 31 a 47).
De consciência tranqüila, foi até a estação Ana Rosa, “a mais simpática do Metrô paulistano”, e embarcou rumo ao centro velho de São Paulo.
“Bom dia” daqui, “bom dia” da li, a figura foi abrindo caminho em meio à multidão que se dirigia ao trabalho. E que multidão.
Ao invés de descer na Sé e de lá tomar o rumo da Catedral, a figura seguiu em frente.
Só foi descer na próxima estação, a do Largo São Bento, exatamente o local em que ficou hospedado o Papa Bento XVI, ano passado.
E por que no Largo São Bento?
Porque ali seria, como foi, palco de uma celebração em homenagem à alma e à memória de um dos políticos que a figura mais admira, mesmo depois de passados sete anos de sua morte: Mário Covas Júnior, nosso ex-prefeito e ex-governador.
Chegou cedo para ter lugar dentro do Mosteiro.
Sim, porque sabia que o local estaria repleto de gente.
Gente graúda, claro, porque trabalhador, gente humilde, do povo, tem que trabalhar. Trabalhar duro, e desde bem cedo.
Entrou, fez o sinal da cruz, olhou firme para a imagem de Cristo e se ajoelhou junto ao último banco.
Ali, humildemente, a figura no mínimo inusitada reverenciou a memória do melhor governador que o Estado de São Paulo teve, pediu alívio para a alma dele, rogou ao Pai por um lugar digno para o homem que morreu no exercício do poder em nome do povo paulista e se levantou.
De frente para a porta principal, sem receio de ter dado as costas para o altar, a figura ficou a observar a chegada dos figurões: o ex-governador Geraldo Alckmin, agora com inglês na ponta da língua, depois de seis meses de estudos nos Estados Unidos; o prefeito Gilberto Kassab, confiante na reeleição, embora ele nunca tenha sido verdadeiramente eleito para o cargo que ocupa; deputados estaduais e federais, senadores e outros políticos menos cotados.
Ah... claro: o governador José Serra, também, ainda que ele tenha sido um dos maiores adversários de Mário Covas, que o odiava e, embora do mesmo partido (o PMDB e depois o PSDB), nunca o perdoou pelas “traições políticas”.
A figura sorriu para cada um deles. Disse “bom dia” aos montes e só não pegou nas mãos de cada um porque não teve oportunidade.
Depois da celebração, uma das mais lindas que já assistiu, esperou que cada um tomasse o seu rumo e só foi embora quando o Mosteiro já estava vazio. Completamente vazio.
E foi feliz, com a alma e a consciência em paz, apesar das cenas teatrais e das falsidades demonstradas pelos políticos presentes e que ali foram mais por obrigação do que por respeito ao homenageado.
“A vida é assim”, pensou.
“A vida é assim”, repetiu.
“Político é assim em qualquer lugar do mundo”, disse entre dentes, rumo ao Metrô.
Por quê?
Ah... e você ainda me pergunta por que?
(*) Cláudio Amaral clamaral@uol.com.br é jornalista desde 1º de maio de 1968; professor e orientador de jovens jornalistas; palestrante e consultor de empresas para assuntos de comunicação institucional e criador do http://blogdoclaudioamaral.blogspot.com e do http://aosestudantesdejornalismo.blogspot.com.
9/3/2008 07:34:06
Comentários