Por quê? (47) Desencontro
Cláudio Amaral
Aquela figura no mínimo inusitada a que me referi pela primeira vez na crônica do dia 9/1/2008 viveu momentos de muita expectativa na manhã desta terça-feira, 19/2/2008.
Apressada e ansiosa, ela, a figura, saiu do Metrô na estação Santa Cruz às 7h55, atravessou por dentro do shopping, passou sem ser notada por uma mulher que lia o Diário de S. Paulo, mal olhou para a vitrine de uma loja de material esportivo onde gosta de admirar as camisas do Corinthians, subiu uma escada fixa, até porque a rolante estava em manutenção, e foi sair do outro lado.
Já era 8 horas e ela, a figura, queria embarcar no ônibus urbano que se dirigia para o bairro de Cidade Monções, mas chegou atrasada. Ligeiramente atrasada.
Auxiliada por um usuário daquela linha, ela, a figura, embarcou num outro ônibus, este intermunicipal, que se dirigia para a cidade de Embu.
Em dúvida, perguntou a uma usuária sentada nos banquinhos do ponto, mas continuou sem saber se a tarifa era de R$ 2,40 (urbana) ou R$ 3,30 (intermunicipal).
O esclarecimento só veio junto ao cobrador (ou trocador, como se diz em outros Estados do País).
“R$ 2,40”, disse o ocupante do lugar privilegiado junto à catraca.
Por que privilegiado?
Porque ali os cobradores em geral mais dormem do que trabalham.
Por quê?
Porque eles pouco têm a fazer desde a instituição do bilhete eletrônico.
Mas, isto não vem ao caso.
O que vem ao caso é que, confortavelmente instalada, a figura no mínimo inusitada arregalou os dois olhos para fora do coletivo e foi admirando tudo e todos que passavam.
Ficou encantada, por exemplo, com dois idosos que caminhavam de mãos dadas pela calçada do Hospital São Paulo, na Rua Pedro de Toledo.
Ambos calçavam tênis e ela foi quem mais chamou a atenção da nossa personagem.
Por quê?
Porque a senhora portava cabelos branquinhos, usava uma calça marrom tipo pula brejo e uma camisa branca de malha.
“Que lindo casal”, pensou a figura.
“Quero envelhecer assim”, acrescentou, mentalmente.
Logo, entretanto, a figura voltou seus pensamentos para o horário e o encontro que havia agendado para a Rua Indiana, uma travessa da Avenida Santo Amaro, na zona sul da Capital paulista.
Quando o coletivo ganhou a Santo Amaro a expectativa aumentou. E a temperatura só baixou quando ela, a figura, desceu do ônibus, não sem antes agradecer as gentilezas do motorista e do cobrador.
Meia dúzia de passos adiante e lá estava ela, a figura, na Rua Indiana.
O visor do celular marcava 8h40.
Faltavam ainda 20 minutos para o encontro.
Cinco minutos depois, lá estava ela, a figura, na porta do escritório do seu interlocutor.
“Cheguei tão cedo”, pensou, “que ele nem abriu a porta, ainda”.
Não mesmo.
O jeito era espera na calçada.
A espera durou mais de 15 minutos, até que o encarregado da segurança do local disse “bom dia”, abriu a porta de vidro e pediu que ela, a figura se acomodasse dentro do escritório.
O tempo foi passando e a expectativa aumentando.
O movimento nas calçadas também crescia.
Na rua, idem.
E nada do anfitrião chegar.
Deu dez horas, 11 horas, meio-dia... e ai a figura se levantou de vez e... nem assim foi embora.
Foi até a padaria mais próxima, comprou um sanduíche e um café expresso, lanchou e voltou.
Deu uma hora da tarde, uma e meia, mas nada.
A paciência acabou exatamente às duas horas da tarde, quando ameaçava chover.
A figura se levantou de vez, pegou a bolsa e o guarda chuva, engoliu a expectativa e a raiva em seco e saiu sem dizer coisa alguma.
Por quê?
Ah... e você ainda pergunta por que?
(*) Cláudio Amaral clamaral@uol.com.br é jornalista desde 1º de maio de 1968; professor e orientador de jovens jornalistas; palestrante e consultor de empresas para assuntos de comunicação institucional e criador do http://blogdoclaudioamaral.blogspot.com.
20/2/2008 00:12:16
Aquela figura no mínimo inusitada a que me referi pela primeira vez na crônica do dia 9/1/2008 viveu momentos de muita expectativa na manhã desta terça-feira, 19/2/2008.
Apressada e ansiosa, ela, a figura, saiu do Metrô na estação Santa Cruz às 7h55, atravessou por dentro do shopping, passou sem ser notada por uma mulher que lia o Diário de S. Paulo, mal olhou para a vitrine de uma loja de material esportivo onde gosta de admirar as camisas do Corinthians, subiu uma escada fixa, até porque a rolante estava em manutenção, e foi sair do outro lado.
Já era 8 horas e ela, a figura, queria embarcar no ônibus urbano que se dirigia para o bairro de Cidade Monções, mas chegou atrasada. Ligeiramente atrasada.
Auxiliada por um usuário daquela linha, ela, a figura, embarcou num outro ônibus, este intermunicipal, que se dirigia para a cidade de Embu.
Em dúvida, perguntou a uma usuária sentada nos banquinhos do ponto, mas continuou sem saber se a tarifa era de R$ 2,40 (urbana) ou R$ 3,30 (intermunicipal).
O esclarecimento só veio junto ao cobrador (ou trocador, como se diz em outros Estados do País).
“R$ 2,40”, disse o ocupante do lugar privilegiado junto à catraca.
Por que privilegiado?
Porque ali os cobradores em geral mais dormem do que trabalham.
Por quê?
Porque eles pouco têm a fazer desde a instituição do bilhete eletrônico.
Mas, isto não vem ao caso.
O que vem ao caso é que, confortavelmente instalada, a figura no mínimo inusitada arregalou os dois olhos para fora do coletivo e foi admirando tudo e todos que passavam.
Ficou encantada, por exemplo, com dois idosos que caminhavam de mãos dadas pela calçada do Hospital São Paulo, na Rua Pedro de Toledo.
Ambos calçavam tênis e ela foi quem mais chamou a atenção da nossa personagem.
Por quê?
Porque a senhora portava cabelos branquinhos, usava uma calça marrom tipo pula brejo e uma camisa branca de malha.
“Que lindo casal”, pensou a figura.
“Quero envelhecer assim”, acrescentou, mentalmente.
Logo, entretanto, a figura voltou seus pensamentos para o horário e o encontro que havia agendado para a Rua Indiana, uma travessa da Avenida Santo Amaro, na zona sul da Capital paulista.
Quando o coletivo ganhou a Santo Amaro a expectativa aumentou. E a temperatura só baixou quando ela, a figura, desceu do ônibus, não sem antes agradecer as gentilezas do motorista e do cobrador.
Meia dúzia de passos adiante e lá estava ela, a figura, na Rua Indiana.
O visor do celular marcava 8h40.
Faltavam ainda 20 minutos para o encontro.
Cinco minutos depois, lá estava ela, a figura, na porta do escritório do seu interlocutor.
“Cheguei tão cedo”, pensou, “que ele nem abriu a porta, ainda”.
Não mesmo.
O jeito era espera na calçada.
A espera durou mais de 15 minutos, até que o encarregado da segurança do local disse “bom dia”, abriu a porta de vidro e pediu que ela, a figura se acomodasse dentro do escritório.
O tempo foi passando e a expectativa aumentando.
O movimento nas calçadas também crescia.
Na rua, idem.
E nada do anfitrião chegar.
Deu dez horas, 11 horas, meio-dia... e ai a figura se levantou de vez e... nem assim foi embora.
Foi até a padaria mais próxima, comprou um sanduíche e um café expresso, lanchou e voltou.
Deu uma hora da tarde, uma e meia, mas nada.
A paciência acabou exatamente às duas horas da tarde, quando ameaçava chover.
A figura se levantou de vez, pegou a bolsa e o guarda chuva, engoliu a expectativa e a raiva em seco e saiu sem dizer coisa alguma.
Por quê?
Ah... e você ainda pergunta por que?
(*) Cláudio Amaral clamaral@uol.com.br é jornalista desde 1º de maio de 1968; professor e orientador de jovens jornalistas; palestrante e consultor de empresas para assuntos de comunicação institucional e criador do http://blogdoclaudioamaral.blogspot.com.
20/2/2008 00:12:16
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